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 Farofas
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    Apesar da tradição e história mais que centenária, o Campeonato Estadual do Rio tem sido, nos últimos anos, palco de confusões administrativas. A edição de 2018, cuja etapa principal começa nesta terça-feira (16), passou por mudanças no regulamento com o certame já em curso, uma vez que sua fase preliminar se iniciou ainda em dezembro. O desalinho atual, porém, parece pequeno perto do que aconteceu há exatamente duas décadas. Nesta semana, completam-se 20 anos do início do Carioca de 1998, marcado por adiamentos, brigas entre dirigentes – alguns ainda hoje no contexto do futebol – e que apresentou à torcida o infame WO (walk-over), quando uma equipe "entrega os pontos" e desiste de jogar. Um dos Estaduais mais negativamente marcantes da complicada década de 90, mas com elementos que lembram o que se viu há pouco tempo, neste mesmo futebol carioca.

    Para entender o imbróglio de 1998, porém, é preciso voltar ainda mais no tempo. No fim de 1993, o jornal "O Globo" denunciou que um esquema de manipulação de resultados estava sendo armado para o Estadual seguinte, envolvendo árbitros da Comissão de Arbitragem do Rio de Janeiro. O caso foi confirmado, à época, pelos juízes Cláudio Garcia e Cláudio Vinícius Cerdeira. O caso foi parar na polícia e se instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI do Apito, que tinha como relator Sérgio Cabral Filho, então deputado estadual. O trio Botafogo, Flamengo e Fluminense já estava insatisfeito com a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) e o caso foi o estopim para a criação da Liga Carioca de Futebol, uma entidade desvinculada da Federação e que contava ainda com o apoio de Bonsucesso e Canto do Rio.

    Bota, Fla e Flu pretendiam não disputar o Carioca em 1994, mas a Taça Juscelino Kubitschek, contra clubes paulistas e mineiros. Em meio às polêmicas, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) interveio, fez com que a ideia de um campeonato paralelo fosse abandonada e que os grandes jogassem o Estadual. O caso do esquema em curso não teve maiores desdobramentos, o Carioca ocorreu normalmente e o Vasco faturou o tricampeonato. Mas os três grandes que formavam a liga continuavam juntos. No início de 1997, nova rebelião. Os presidentes Kleber Leite (Flamengo), José Luiz Rolim (Botafogo) e Álvaro Barcelos (Fluminense) assinaram um documento, recusando-se a jogar o Carioca, por considerarem a fórmula do torneio deficitária.

    Kleber acusou o então vice de futebol vascaíno, Eurico Miranda, de tentar pagar sua dívida eleitoral junto aos dirigentes de clubes pequenos, que apoiaram sua campanha a deputado federal, em 1994. Eurico respondeu dizendo que a insurgência de Kleber acontecia porque a FFERJ não fez negócios com sua empresa, a Klefer, que comercializava placas publicitárias. Os jogos dos grandes foram adiados, mas a crise foi contornada. Mais à frente, o Vasco pediu o adiamento do campeonato por causa da convocação de Carlos Germano, Edmundo, Hélton e Pedrinho à Seleção Brasileira. A paralisação durou um mês e meio, o Fla recusou-se a enfrentar o Vasco e perdeu por WO. Mais tarde, o Botafogo foi campeão estadual. O "racha" no futebol carioca era claro.

    Paz aparente e novas "canetadas"

    Para 1998, a combinado foi evitar polêmicas e garantir a realização do Estadual. Em reunião na casa de Álvaro Barcelos, os quatro grandes chegaram a um acordo: só entrariam no campeonato a partir de março, enquanto seis pequenos jogariam uma fase preliminar, equivalente à atual Seletiva, já em janeiro. A medida foi tomada para que o Carioca não concorresse com o Torneio Rio-São Paulo. Apesar de Eurico ter pedido o remanejamento de duas partidas do Vasco, o clima era de aparente tranquilidade entre os dirigentes. Porém, a medida faria a fase principal começar sem todos os seus participantes definidos, já que alguns jogos aconteceriam em meio a uma Seletiva que ainda estaria em curso.

    Se, para os grandes, ter oito times na fase principal era tentador, por equilibrar a competição e minimizar a possibilidade de prejuízos, os pequenos chiaram. America, Friburguense, Itaperuna, Madureira, Olaria e Volta Redonda jogaram a Seletiva resignados. O então presidente americano, Serafim Batista, falou em "segunda divisão camuflada" e prometeu tentar paralisar o campeonato. Em 18 de janeiro, Vasco e Bangu abriram o campeonato em São Januário, com vitória cruz-maltina (1 a 0). Duas semanas depois, os vascaínos golearam o Americano (5 a 0), no outro jogo antecipado. Apesar dos desfalques que a equipe já apresentava, o técnico Antônio Lopes garantia: escalaria o mesmo time em todas as competições. Além do Carioca e do Rio-São Paulo, o Vasco também estava na Copa do Brasil. A Libertadores só começaria em março.

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    Mesmo com a saída precoce no Rio-São Paulo, o Vasco vivia uma maratona e outros jogos foram sendo remanejados, mas o andamento do campeonato não ficou disforme. Porém, as mudanças começaram a incomodar os outros grandes. A unanimidade em dar o nome da Taça Guanabara a Castor de Andrade, que morrera um ano antes, foi o último momento de harmonia entre os dirigentes (a decisão foi posteriormente anulada pelo procurador Antônio Carlos Biscaia). No fim de março, o Vasco visitaria o Madureira numa quarta-feira, mas a partida foi adiada na antevéspera. Isto porque, na sexta seguinte, o time de São Januário teria uma decisão na Libertadores, contra o Chivas (MEX). No domingo, nada menos que um clássico contra o Flamengo. Kleber Leite voltou à cena e ameaçou paralisar o campeonato.

    – Isso é uma excrescência. Mostra mais uma vez que o Vasco faz o que quer na Federação. O Flamengo não entra em campo no domingo, nem que para isso tenha que "melar" o Estadual – disse Kleber, ao "Jornal do Brasil", entendendo que o Clássico dos Milhões deveria fechar o primeiro turno, o que já não aconteceria com o adiamento de Madureira x Vasco. Caso houvesse um tropeço cruz-maltino em Conselheiro Galvão, o Fla só dependeria de uma vitória sobre os rivais para ganhar a Taça Guanabara.

    O Flamengo enviou, então, um ofício à Federação. Eduardo Viana, o Caixa d'Água, então presidente da FFERJ, decidiu agir e adiou Friburguense x Vasco para 6 de abril. Desta vez, foi Eurico Miranda quem reclamou, alegando que "não jogaria o campeonato que o Kleber Leite quer impor". No meio da chuva de documentos, Eurico enviou o seu ofício à FFERJ, justificando que qualquer clube está amparado pela lei para que não jogue uma partida internacional num intervalo menor que 66 horas de um jogo anterior. Então, Caixa d'Água lavou as mãos e o andamento do Estadual ficou ameaçado.

    Show de acusações e o "racha" definitivo

    Havia um temor de que o Carioca "invadisse" a Copa do Mundo, que começaria em junho. Assim, uma solução rápida era necessária para não comprometer o calendário, já que os clubes cediam jogadores à Seleção e um final esvaziado seria um fracasso. Mas o que vinha pela frente era pior: o Fla foi ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) para garantir que só enfrentaria o Vasco depois de todos os outros. Embora reconhecesse a validade do argumento de Eurico, o advogado do Flamengo, Michel Assef, disse que o vascaíno tinha prometido, anteriormente, não utilizar esta prerrogativa por causa da falta de datas. Para completar, até o America cumpriu a promessa antiga e entrou na bagunça, impetrando uma liminar para disputar o restante da fase principal, medida que, mais tarde, falhou. Estava formado o circo.

    No fim, pesou a vontade do Flamengo e a FFERJ adiou Flamengo x Vasco para 19 de abril, realmente fechando a Taça Guanabara. O Clássico dos Milhões valeria o título, com a vantagem do empate ao Vasco, que tinha dois pontos a mais. A semana do jogo, como se esperava, foi quente, com rubro-negros acusando a Federação de só enviar um terço dos ingressos à sua torcida e o Vasco retrucando, ao dizer que era a diretoria rubro-negra que retinha o dinheiro dos bilhetes. Em campo, o empate sem gols entre as equipes deu ao Gigante da Colina o título do primeiro turno, em espetáculo que recebeu quase 90 mil pessoas. Seria o último momento de glória de um campeonato fadado ao fracasso.

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    Para a Taça Rio, uma nova reunião acordou que os clássicos das últimas duas rodadas teriam tabela dirigida, ou seja, a ordem dos jogos seria definida de acordo com os pontos que as equipes tivessem, para garantir a última rodada como a decisiva. Além disso, o Botafogo x Vasco da terceira rodada ficou sem data: os cruz-maltinos jogariam as oitavas de final da Libertadores. Era final de abril, o Mundial se aproximava e a Seleção tinha três jogadores do Botafogo, três do Flamengo e um do Vasco. O Fla pediu o adiamento do jogo contra o Americano e se preocupava com o momento da apresentação dos atletas à Seleção. A FFERJ considerava possível adiar, junto à CBF, a ida de quem fosse ao Mundial. Uma "solução" perigosa, que tinha tudo para dar em confusão. E deu, mesmo.

    Jogar sete rodadas em três semanas e aguardar uma eventual final entre campeões de turnos requereria concordância, harmonia e até alguma sorte. Se o Vasco sobrava em campo e os rivais tropeçavam entre si – e até diante de pequenos –, a confusão entre os cartolas era enorme. Vasco x Fluminense, na quarta rodada, não aconteceu devido ao compromisso vascaíno na Libertadores. Na rodada seguinte, o Clássico-Vovô saiu do Maracanã e foi para a Rua Bariri, para diminuir despesas. Assim, já havia dois clássicos "flutuando" na tabela, até que a FFERJ marcou Botafogo x Vasco para 10 de maio. O trio da Liga, então, acusou o Vasco de descumprir os acordos pré-Taça Rio, que evitariam mudanças em cima da hora. O Glorioso se recusou a jogar, alegando que só faria isso após Vasco x Fluminense, que ainda não tinha data. Foi o estopim da confusão.

    A Federação ameaçou punir o Botafogo, mas Fla e Flu disseram que sairiam do campeonato se isso acontecesse. O Vasco ainda não tinha jogado nenhum clássico até então, enquanto o Bota chegava ao terceiro. Rolim levou o caso ao STJD mas teve o recurso negado pelo então presidente do Tribunal, Luiz Zveiter. Apesar do Botafogo bater o pé ao dizer que não jogaria, a FFERJ confirmou o clássico, solicitando a presença de policiamento, Bombeiros e 80 funcionários. Na distribuição dos ingressos, o Alvinegro recusou-se a receber os seus. Sobre as polêmicas de favorecimento que vinham dos outros dirigentes, Eurico Miranda foi taxativo, como de costume:

    – Somente o Vasco pode ser campeão no ano de seu centenário, o Flamengo não conseguiu. É isso que eles não aceitam. Essa confusão toda está sendo armada pelo Flamengo. O Botafogo já está eliminado, qual o problema que o impediria de jogar? Quanto ao Vasco, o time vai domingo ao Maracanã e nós vamos ganhar por WO.

    Surpreendentemente, na vã esperança de que a bola rolasse, houve quem comprasse ingressos. No dia do jogo, o público foi sugestivo: 171 pagantes. Pouco antes das 17h, o árbitro Jorge Travassos entrou em campo junto com os jogadores do Vasco, que saudaram uma arquibancada vazia. Travassos esperou meia-hora e, após isso, apitou para confirmar um dos momentos mais melancólicos da história do Maracanã: vitória do Vasco sobre o Botafogo, por WO. Enquanto, naquela mesma hora, em São Paulo, acontecia a final do Campeonato Paulista, o público de teatro que foi ao Maraca viu Antônio Lopes dar um coletivo entre titulares e reservas, visando um jogo da Copa do Brasil, que aconteceria dois dias depois. Um triste retrato do que virou o campeonato.

    Calendário atropelado, fim melancólico

    Enquanto os grandes reclamavam das datas e da benevolência da Federação com o Vasco, os pequenos penavam. O Madureira jogou três vezes em quatro dias, sempre contra grandes: Vasco na quarta-feira, Fluminense na sexta e Flamengo no domingo. Incrivelmente, ainda bateu os tricolores, com gol de Messias. O Bangu correu contra o tempo e fez três partidas em menos de uma semana. A pressa ocasionou o atropelamento no calendário, uma vez que Eduardo Viana garantira 17 de maio como a data-limite. Mas a confusão podia aumentar mais: o Botafogo queria que o jogo com o Vasco fosse remarcado. Eurico mostrou um documento assinado por Caixa d'Água, confirmando os três pontos para o Vasco, mas a reunião não contou com representantes de nenhum outro clube. O trio da Liga disse não ter sido avisado do encontro.

    Havia mais três clássicos pela frente e o clima era de caos. Flamengo x Fluminense saiu do Maracanã para Moça Bonita, por "questões de segurança" alegadas pela FFERJ. Os clubes se negaram a jogar e um inacreditável WO duplo manchou o clássico mais tradicional do Rio. Ninguém foi ao jogo; só à Justiça. No dia seguinte, Vasco e Bangu foram, estes sim, ao Proletário. Até os 44 do segundo tempo, 0 a 0. Até que as luzes do estádio se apagaram. Paralisação e provocações entre o então presidente banguense, Rubens Lopes, e jogadores cruz-maltinos antecederam a volta ao jogo. Aos 48 minutos, Mauro Galvão fez Vasco 1 a 0. O gramado foi invadido e Rubens ameaçou tirar o Alvirrubro de campo, mas foi contido por seus jogadores. Com a vitória, o Vasco confirmava o título da Taça Rio e também do Carioca, o vigésimo-primeiro de sua história.




    Naquela mesma hora, o Tribunal da Federação confirmou o WO de Vasco x Botafogo, por seis votos a cinco. Os presidentes de Fla, Flu e Bota emitiram uma nota oficial, acusando Eurico Miranda e a FFERJ de adiarem jogos e descumprirem acordos com o intuito de favorecer o Vasco. Até então, 17 mudanças tinham ocorrido na tabela. Depois, os cruz-maltinos ganharam, também por WO, o jogo contra o Flamengo. Só os reservas vascaínos foram a campo, já que os titulares ficaram em São Januário para a festa de comemoração do título carioca, que acabou nem acontecendo, por causa de uma forte chuva. Um amistoso de entrega das faixas, contra a Portuguesa, foi cancelado. Só 34 pagantes foram ao Maracanã, um número inferior ao de policiais (320) e funcionários da SUDERJ (400) presentes. A risível renda de R$ 340 não pagou nem a diária do quadro móvel.

    O campeonato já havia terminado, técnica e moralmente, mas havia o Vasco x Fluminense da quarta rodada ainda por acontecer. Já com a Seleção treinando na França, os tricolores ganharam, por 2 a 0, um jogo que começou 45 minutos atrasado, terminou em briga entre alguns jogadores e teve menos de mil torcedores. Assim como na semana anterior, os ouvidos estavam no rádio para saber notícias do Tribunal, que confirmou o WO do Flamengo no jogo com o Vasco e o WO duplo no Fla-Flu. Era o ponto final de um Campeonato Carioca cuja desorganização acabaria não servindo de exemplo para o futuro, tendo em vista os graves problemas observados nos anos de 2002 e 2003.
    Editado pela última vez por Farofas em 15/01/2018, 23:02, em um total de 1 vez.

     nico.bugre
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    Luizão no Vaxco.
    Caixa d'água.
    Fluminense com patrocínio da Oceânica.
    Direto do túnel do tempo.
    E depois de 20 anos a gente não acabou ainda com essas merdas de campeonatos estaduais.

     Sudit
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    E quando o futebol do RJ não esteve afundado no caos?

     Sudit
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    Farofas escreveu:
    Sudit S2 TaeYeon escreveu: E quando o futebol do RJ não esteve afundado no caos?
    1995
    Fui pesquisar por curiosidade, e parece que o Flamengo só foi retirar as estrelas de tri-campeão carioca em 2004.
    Em 2002 foi introduzida a estrela de campeão mundial.

    E depois vem essas gerações querer ostentar titulos da época que sequer eram nascidos e desprezar regionais...
    ruud  isso

     A Amadora da Gavea
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    o fracasso da UCL no ano ja era um preludio do desastre da poca

     Kratos
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    Bizarro
    Mas vindo do hell de janeiro, dá para esperar tudo

     Farofas
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    1:22
    Editado pela última vez por Farofas em 15/01/2018, 22:21, em um total de 1 vez.

     Mota Offspring
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    Vasco é o time da vársea

    olha esse papelão do campeonato de 90 :lolsuper:

     Farofas
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    entre campeonato bagunçado com craques em campo e torneio organizadinho com esse monte de nabas atuais, prefiro a versão antiga

     Farofas
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    no video dessa treta o Tonho Lopes aparece dando voz de prisão num segurança do Fluminense

     Sudit
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    E isso que naquela época o que não faltava no futebol do Rio era dinheiro, com a CBF e o governo financiando os clubes de lá.

    Por isso que insisto em dizer que um time ser rico no Brasil não significa muito, e não dura muito tempo.
    Cartolagem fazem de tudo para quebrar o futebol mesmo em época que se nada em dinheiro e torcedor iludido acreditando que a bonança é impossivel de acabar.

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